Dilma Rousseff concede a entrevista da vitória na bancada do JN
Presidente eleita fala sobre suas origens na Bulgária, a luta contra a ditadura, a indicação de Lula para que fosse sua sucessora e os planos para governar o Brasil, entre outros assuntos.
William Bonner: Estamos de volta ao vivo aos estúdios do Jornal Nacional em Brasília e, como eu disse no início do Jornal Nacional, com a honra de receber aqui a presidente eleita do Brasil, Dilma Rousseff. Presidente, parabéns pela vitória.
Dilma Rousseff: Obrigada, Bonner. Muito boa noite.
Bonner: Muito boa noite, muito obrigado pela sua presença. Nós entendemos isso como uma deferência especial. Estar presente aqui na bancada do Jornal Nacional é uma deferência ao público brasileiro, aos eleitores...
Dilma: Sem dúvida.
Bonner: E eu tenho certeza que todos vão gostar muito de tê-la aqui conosco para assistir a uma edição especial, como eu disse, porque nós preparamos algumas reportagens para essa data. Mas a primeira delas a gente foi roubar do Fantástico. Porque ontem (domingo), no calor da sua vitória, talvez a senhora não tenha tido a oportunidade de assistir a uma reportagem especial que o Marcos Losekann fez na Bulgária. Vamos ver?
Dilma: Na Bulgária? Vamos ver.
Conheça um pouco da história da família Rousseff na Bulgária
No museu de Gabrovo, encontramos uma foto do que foi a casa da família Rousseff, um sobrado de três andares. Pétar deixou para trás a ex-mulher, na época grávida de sete meses.
Quem guarda as fotos com carinho é a prima de Dilma, Tzanka Kamenova: “Ele sonhava em levar para o Brasil o filho que deixou na barriga da mãe”, diz Tzanka. O nome desse irmão de Dilma Rousseff, por parte de pai, era Luben.
Nós localizamos o prédio onde o Luben morava, no centro de Sófia. Ele morreu em 2007.
Era para este prédio que Dilma Rousseff mandava cartas. O irmão Luben lia e respondia com a ajuda do tradutor Roumen Stoyanov.
Ele conta que, num dos envelopes enviados por Dilma, um ano antes da morte de Luben, havia um maço de dinheiro: “Ela fez um gesto muito bonito, de irmã para irmão”.
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Bonner: Eu tenho que perguntar: a senhora já se imaginou chegando à Bulgária como presidente do Brasil?
Dilma: Olha, Bonner, eu tenho a impressão que vai ser uma comoção. Uma emoção para mim e acho também uma emoção para eles, porque é um país pequeno. Você imagina nesse país pequeno, em que a visão do Brasil, o Brasil visto de lá é 190 milhões de pessoas, é um país que está se desenvolvendo, criando emprego, um país que é visto no mundo como uma das grandes oportunidades. Então, eu acho que vai ser muito interessante, até porque eu acredito que eu sou a única búlgara entre aspas para eles que teve algum sucesso fora da Bulgária. Eu não sei falar uma palavra, nada. Então vai ser muito difícil.
Bonner: Pelo menos um sucesso dessa magnitude. A senhora ainda tem contato com búlgaros até hoje?
Dilma: Eu mantive contato com o meu irmão, porque ele, apesar de ser engenheiro, não vivia em situação confortável. Eles não têm uma estrutura de aposentadoria como a nossa, então eu remetia recursos para ele. Mantive contato sistemático com ele. Depois que ele morreu, com a mulher dele. Aí também ela morreu. Então eu perdi contato agora com eles, porque eu nunca tive contato com essa minha prima. Você veja que vocês descobriram alguém da minha família.
Bonner: Marcos Losekann, o nosso correspondente.
Dilma: O Marcos Losekann é um investigador.
Bonner: Ele é. Nato. Agora nós vamos para a segunda reportagem, essa sim preparada especialmente para hoje, em que nós vamos rever um pouquinho do que foi a sua infância.
Dilma, a mineira que se opôs à ditadura e sofreu na prisão
A história começa no dia 14 de dezembro de 1947, quando Dilma Vana Rousseff nasceu em Belo Horizonte. O pai, um imigrante búlgaro, veio para o Brasil fugindo dos efeitos da guerra e tornou-se empresário em Minas. A mãe, nascida no estado do Rio, de quem Dilma herdou o nome.
Estudou nas melhores escolas da capital mineira e ainda era adolescente quando iniciou a militância política.
“Nós nos conhecemos em função da organização da luta de resistência à ditadura”, contou Apolo Heringer Lisboa, amigo de Dilma.
O inimigo era o governo militar instalado no golpe de 64. O ideal era a implantação de um modelo socialista no Brasil.
Quem foi e como atuou a jovem subversiva, como eram chamados na ditadura todos os que se opunham ao regime? O verdadeiro nome, nem o segundo marido, Carlos Araújo, companheiro de militância, sabia.
“Quando ela foi presa, que os jornais publicaram a prisão dela, é que eu soube o nome verdadeiro dela. A Dilma, como todos nós, teve vários nomes. O mais marcante dela foi Vanda”.
Sabe-se que Dilma atuou em grupos que pegaram em armas para combater a ditadura e lutar por um Brasil socialista. Gilberto Vasconcelos, companheiro de militância de Dilma Rousseff, conta que Dilma tinha apenas tarefas de organização nos grupos.
“Ela nunca, absolutamente, teve nenhum momento em que ela tenha praticado uma ação violenta. Nenhuma. Absolutamente nenhuma”.
Dilma caiu na clandestinidade. Peregrinou de Minas para o Rio. Do Rio para São Paulo.
E acabou presa na maior cidade brasileira, na Rua Augusta, em 16 de janeiro de 1970.
Parte do prédio, que hoje é o Memorial da Resistência, guarda um rico pedaço da história sombria do Brasil. O local foi o quartel general da repressão, onde funcionava o Dops, o temido Departamento de Ordem Política e Social. E Dilma Rousseff passou por uma cela do lugar, onde também foi torturada.
Ficou presa por dois anos e quatro meses. Uma das raras vezes em que Dilma falou publicamente da história foi como ministra, no Senado, em resposta a um político da oposição.
“Eu fui barbaramente torturada, senador. E qualquer pessoa que ousar dizer a verdade para interrogadores compromete a vida dos seus iguais e entrega pessoas para serem mortas”.
Ao deixar a cadeia, Dilma foi reconstruir a vida no Rio Grande do Sul. Foi onde se formou em economia, onde teve a única filha, Paula, e onde deu início à carreira na administração pública.
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Bonner: Presidente, eu vi uma declaração do seu ex-marido a respeito daqueles tempos de combate à ditadura militar. Ele disse que jamais passou pela cabeça de vocês que um dia a senhora ou ele, enfim, quem quer que fosse, pudesse chegar à presidência da República. Como é hoje rever essas cenas, rever essas situações todas?
Dilma: Eu acho que tudo começa, Bonner...É uma situação que eu te diria assim: naquela época, a gente jamais acreditou também que o Brasil viria a se transformar numa grande democracia. Então, a partir do momento em que o Brasil se transformou numa grande democracia, a vida vai levando as pessoas por caminhos insuspeitos, porque a democracia é uma coisa muito rica. Naquela época, que havia o fechamento, a juventude não tinha muita opção. Você não podia se manifestar. Uma peça de teatro, por exemplo, "Roda Viva", era considerada subversiva. Uma música como "Apesar de você", do Chico Buarque, era tida como absurda. Então, os caminhos eram fechados. A ditadura no Brasil abriu os caminhos. Então, eu acho que a minha geração deve esse momento em que eu, uma pessoa que teve presa no Brasil, deve esse momento à democracia. E mais do que isso: deve esse momento ao fato do Brasil ter sido capaz de iniciar um processo de transformação dentro da maior legalidade, coisa que na época, o que nós fazemos hoje, era considerado impensável naquela época. Reajustes salariais, por exemplo, acima do salário mínimo levava a greves e a prisões. Manifestações estudantis, que hoje a gente olha com absoluta tranquilidade, levava a prisões. Então, o mundo foi mudando. E eu com o mundo. Eu agradeço a Deus a oportunidade que ele me deu de participar do governo do presidente Lula. Eu acho que ali começa o grande sonho da minha geração, que era que o Brasil crescesse e, ao mesmo tempo, distribuísse renda e o Brasil crescesse e, ao mesmo tempo, milhões de pessoas fossem tiradas da pobreza. E aí o que eu tenho como missão daqui para frente é justamente continuar esse processo dentro da legalidade, do fortalecimento da democracia, da liberdade de imprensa. Esse processo de transformação do Brasil e de estabilidade, porque também nós conquistamos isso. Porque teve logo no início da democracia um período que a gente tinha herdado também do final da ditadura, que era inflação alta, dívida externa explodindo. E hoje nós somos um país que tem todas as chances de se transformar.
Bonner: Desde 94, tem uma geração de brasileiros que não sabe o que é aquela inflação que nós vivemos. Desde o advento do Plano Real. Vamos seguir vendo as reportagens que nós temos para mostrar. Agora a gente vai ver o próximo capítulo.
Dilma: É uma novela?
Bonner: É quase isso. Bom, poderia ser uma novela de grande sucesso. No seu caso, eleita presidente da República. Vamos lá. É a reportagem da Cláudia Bontempo.
O estilo durão que conquistou Lula
O motorista Joel Fontoura Paz se lembra bem do jeito firme da antiga chefe. A presidente da Fundação de Estatística do Rio Grande do Sul não gostava de perder tempo.
“Olha, só uma vez aconteceu um caso, em Santa Cruz, que ela foi numa palestra lá, ela gostava sempre dos horários. Eu achei que a palestra fosse demorar e eu precisava cortar o cabelo. Ela chegou no carro e eu não estava. Ficou brava”.
O estilo de comando da administradora Dilma Rousseff foi forjado nos primeiros cargos que ocupou, no Rio Grande do Sul.
Ela militou no PDT até 2000. E, em 2001, entrou no PT. Foi secretária de Fazenda de Porto Alegre e secretária estadual de Minas e Energia. Em 2003, levou seu estilo para Brasília quando o então presidente eleito Lula lhe entregou o cargo de ministra.
Dilma Rousseff comandou o Ministério de Minas e Energia por dois anos e meio. Daqui, foi chamada para um novo e urgente desafio. Em junho de 2005, o governo Lula atravessava uma crise política com a queda do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu.
Dilma foi escolhida pelo presidente Lula para ocupar o lugar de Dirceu no Palácio do Planalto. Saía o interlocutor político, entrava a gerente Dilma, com a missão de coordenar as ações do governo.
“A gente reconhece que o problema existe e toma as medidas capazes de solucioná-lo”, disse Dilma, na época.
Na Casa Civil, Dilma comandou o principal programa do governo - o PAC - de Aceleração do Crescimento.
“A Dilma é uma espécie de mãe do PAC. É ela que cuida, ela que acompanha”, disse Lula.
Foi responsável ainda pelo programa habitacional “Minha Casa, Minha Vida” e toda a preparação para a exploração do petróleo do pré-sal.
E era encarregada de coordenar o trabalho dos colegas. Nessa tarefa, ganhou fama de durona. Em março, quando deixou a Casa Civil para ser candidata, Dilma ouviu o próprio presidente Lula, bem-humorado, dizer que muitos saíam do gabinete dela para se queixar com ele.
“A Dilma, de fato, às vezes é até dura, durona mesmo, pra fazer cobrança, pra ter respostas. Então, a equipe acaba se alinhando e procurando fazer as coisas que tem que fazer pra depois não ser cobrado”, revelou Paulo Bernardo, ministro do Planejamento.
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Fátima Bernardes: Boa noite, presidente, parabéns pela vitória. Eu queria voltar a esse momento do fim da reportagem, a mãe do PAC, o momento em que a sua candidatura foi decidida. Como a senhora recebeu essa indicação do presidente Lula para disputar a eleição? Foi com surpresa? Ele teve muito trabalho para convencê-la? Ou na verdade já era um desejo daqueles que a gente esconde até da gente mesmos?
Dilma: Fátima, sem muito honesta contigo, eu nunca imaginei ser presidente da República. Eu sempre fui uma servidora pública. Acredito que ser servidora pública é uma coisa importante, porque a relação que a gente tem de ter com o Estado não pode ser o Estado nos servindo, mas nós servindo o Estado e a sociedade. Quando o presidente começou a dar os sinais de que ele queria que eu fosse a sua sucessora, a primeira reação que eu tive foi de achar que não era muito por ali. Aos poucos, eu fui me convencendo. E aí é algo muito interessante: servir ao país, chegar a ser presidente é, de fato, talvez, um sonho que cada brasileiro esconde lá no fundo da alma, porque é a maior realização que uma pessoa pode ter no seu próprio país, porque é um momento em que você pode provar que você vai de fato dar uma contribuição para os milhões de brasileiros e de brasileiras que compartilham comigo essa aventura histórica de sermos brasileiros no ano de 2011 e de sermos capazes de dar aquele salto que a gente espera que o Brasil dê. Então eu quero te dizer o seguinte: apesar de, no início, eu não ser uma pessoa que estava direcionada para isso, eu quero te dizer que hoje eu sou uma pessoa certa que eu vou fazer o melhor que eu puder. E quando eu tiver feito o melhor, eu vou fazer ainda um pouco mais para que o Brasil siga se transformando numa grande economia, numa grande sociedade e de fato numa nação plenamente desenvolvida.
Bonner: Vamos prosseguir. Agora acho que seria o capítulo final das reportagens preparadas. A gente vai ver o que tem de histórico na sua eleição. Como nós dissemos desde o início dessa edição do Jornal Nacional. A reportagem é da Cristina Serra.
O caminho que a ministra percorreu para virar presidente
De ministra a presidente, foi uma trajetória desbravando mundos masculinos. Na foto oficial, do inicio do governo Lula, era uma das poucas mulheres. Mas Dilma Rousseff se tornou a ocupante mais poderosa da Esplanada.
Quando o presidente Lula emitiu os primeiros sinais de que ela seria a escolhida para sucedê-lo, Dilma passou pela primeira transformação física: uma cirurgia plástica. Mas um adversário inesperado surgiu em seguida.
O câncer no sistema linfático provocou um susto e novas transformações na aparência da ministra.
Recuperada, Dilma, de novo visual, percorreu o país em campanha. “Eu vou ser, com a graça de Deus e o voto de vocês, a primeira mulher presidente do Brasil”.
Ainda no primeiro turno, a chegada do neto Gabriel foi um presente. “Mãe acha que vai quebrar. Vó sabe que não quebra. Eu estou hoje meio boba”.
As denúncias contra a sucessora dela na Casa Civil, Erenice Guerra, foram um transtorno inesperado. Para muitos analistas, esse foi o principal motivo do segundo turno e a vitória nas urnas foi adiada em um mês.
Já no primeiro dia da nova fase da disputa, Lula reuniu aliados eleitos e convocou todos para se dedicar à vitória de sua candidata. O próprio presidente intensificou a participação dele no programa político e nos palanques estaduais.
Carreatas, passeatas e comícios. Lula estava ao lado de Dilma em todo o país. “Essa companheira, pelo caráter, pela coragem, pela firmeza ideológica, pelos compromissos de vida dela, não vai permitir que o Brasil volte a um passado, que o Brasil volte a ser dependente”, disse Lula.
Em alguns momentos, ele chegou a ir sozinho a eventos de campanha.
Aos 62 anos, Dilma Rousseff é a primeira mulher a chegar ao posto mais alto da República: a presidente de 190 milhões de brasileiros. Ao subir a rampa do Palácio do Planalto e receber a faixa presidencial ela vai fazer história.
A chegada de uma mulher ao poder desperta a admiração dos amigos. “Acho que vai ser bom para o Brasil, a gente ter essa mudança de sair de tantos personagens masculinos, de repente entrar uma protagonista feminina”, opina o cineasta Helvécio Ratton.
No dia em que a candidatura tornou-se oficial, a ministra que Lula quis transformar em presidente fez um discurso de reconhecimento a ele e também antecipou a ideia que a maioria dos eleitores brasileiros aprovaria, nas urnas, em 31 de outubro.
“Não é por acaso que, depois desse grande homem, o nosso Brasil possa ser governado por uma mulher. Por uma mulher que vai continuar o Brasil de Lula, mas que fará um Brasil de Lula com alma e coração de mulher”.
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Bonner: A notícia da sua vitória oficial saiu às 20h07 de domingo. O que lhe veio à cabeça naquele momento?
Dilma: Era. Sabe por que essa pergunta é difícil, Bonner? Porque na hora que vem a notícia, você está um pouco anestesiada e aí é preciso que o tempo passe para que você absorva todo o impacto de uma notícia desse tamanho, que é uma notícia com a grandeza do Brasil, porque não é uma notícia qualquer. É uma notícia de que, daqui para frente, você vai ser a responsável por esse país continental, imenso e por 190 milhões.
Bonner: Chorou?
Dilma: Eu chorei depois. Fui chorando aos poucos. Eu não chorei de uma vez só. Eu chorei um pouco quando eu falei, depois eu chorei bastante chegando em casa.
Bonner: E quase chorou ao se referir ao presidente Lula no seu discurso.
Dilma: Foi. Ali eu chorei. O pessoal disse que eu me contive. Eu chorei por dentro e por fora, um pouco.
Fátima: Presidente, agora, terminado esse processo eleitoral desgastante, a senhora vai começar a trabalhar na composição do seu novo governo e na formação do seu ministério. A senhora pode dizer para a gente como vai ser esse processo a partir de agora? Ele já começa já?
Dilma: Nós vamos fazer primeiro uma transição de dois tipos: uma transição técnica, ou seja, avaliando todos os aspectos técnicos que serão importantes que a gente tome providências no sentido de que serem aqueles que a gente vai encaminhar primeiro. Por exemplo: eu pretendo nos primeiros dias fazer uma reunião com os governadores sobre saúde e segurança e, em seguida, ou paralelamente, melhor dizendo, nós também faremos uma transição política. Nós vamos ter que ver a composição do governo, que tem esses dois aspectos. Eu vou me esmerar para ter um governo em que o critério de escolha dos ministros e dos cargos da alta administração sejam providos por esses dois critérios.
Bonner: Tem nome certo?
Dilma: Não. Não tem ainda nome certo. Eu não digo que eu vou anunciar um bloco inteiro, todo o governo, mas eu pretendo não fazer anúncios fragmentados, espalhados ou individualizados. Fazer por blocos.
Bonner: Em relação à economia. No mundo, hoje, quando se fala em economia, o planeta inteiro está discutindo a questão cambial: desvalorização de dólar, valorização de moedas locais. Qual é a sua posição a respeito disso?
Dilma: Eu acredito que a gente não pode correr o risco de querer menosprezar. Eu te diria assim: eu acho que o câmbio é flutuante. No entanto, indícios de que há hoje no mundo uma guerra cambial são muito fortes. Acho que tem moedas subvalorizadas. Eu acredito que uma das coisas importantes são as reuniões multilaterais em que fique claro que nós, por exemplo, iremos usar de todas as armas para impedir o dumping, a política de preços que prejudica as indústrias brasileiras, e vou olhar com muito cuidado, porque não acredito que manipular câmbio resolva coisa alguma. Nós temos uma péssima experiência disso.
Bonner: Manipular câmbio pelas mãos do governo?
Dilma: É, pelas mãos do governo e do Banco Central. Você se lembra do câmbio fixo? O que ele levou a Argentina e quase nos levou também? A uma situação de crise muito grande.
Bonner: Então a senhora está dizendo que qualquer modificação que virá não será no sentido de acabar com o câmbio flutuante?
Dilma: Não, de maneira alguma. Muito boa a sua pergunta, que me permite esclarecer. Eu tenho um compromisso forte com a questão dos pilares da estabilidade macroeconômica, um câmbio flutuante. E nós temos hoje uma quantidade de reservas que permite que a gente inclusive se proteja em relação a qualquer tipo de guerra ou de manipulação internacional. Mas eu acredito também, Bonner, que nós iremos passar por um momento em que o mundo vai estar com um nível de crescimento menor. Hoje, inclusive, o presidente Obama me cumprimentou e externou a preocupação dele com as taxas de desemprego nos Estados Unidos. Ele está bastante preocupado com a economia americana no que se refere a sua recuperação. Acredito que também o ajuste das economias internacionais não podem ser feitas com base em desvalorizações competitivas, que você tenta ganhar o seu ajuste nas costas do resto do mundo. Também não está certo isso.
Bonner: Presidente, deixa eu lhe dizer uma coisa: primeiro, mais uma vez quero agradecer a sua presença aqui em nome de todos os profissionais da Rede Globo, em nome do público, porque isso aqui é certamente uma deferência. Segundo, a senhora disse ontem e repetiu aqui durante essa entrevista, uma defesa à liberdade de imprensa. Nós aqui estamos entendendo a sua presença no Jornal Nacional como uma demonstração enfática disso, e queremos dizer que nós da imprensa aguardamos diversas oportunidades como essa. Está certo, talvez não precise nem vir até aqui, mas que nos abra a oportunidade de uma conversa franca, porque faz parte da democracia que a senhora mesma defendeu.
Dilma: Faz parte da democracia, eu acho que o Brasil pode dar uma demonstração de muita vitalidade com a imprensa livre que nós temos e com essa relação em que, muitas vezes, as críticas existem e eu acredito que elas cumprem um papel no Brasil, e pode ter certeza que da minha parte a minha relação com a imprensa vai ser sempre uma relação respeitosa.
Bonner: Muito obrigado mais uma vez. Foi um prazer entrevistá-la sem ter que interrompê-la e dizer que o tempo estava esgotado. Agora, o meu tempo está esgotado. Muito Obrigado mais uma vez. Boa noite.
Dilma Rousseff: Obrigada, Bonner. Muito boa noite.
Bonner: Muito boa noite, muito obrigado pela sua presença. Nós entendemos isso como uma deferência especial. Estar presente aqui na bancada do Jornal Nacional é uma deferência ao público brasileiro, aos eleitores...
Dilma: Sem dúvida.
Bonner: E eu tenho certeza que todos vão gostar muito de tê-la aqui conosco para assistir a uma edição especial, como eu disse, porque nós preparamos algumas reportagens para essa data. Mas a primeira delas a gente foi roubar do Fantástico. Porque ontem (domingo), no calor da sua vitória, talvez a senhora não tenha tido a oportunidade de assistir a uma reportagem especial que o Marcos Losekann fez na Bulgária. Vamos ver?
Dilma: Na Bulgária? Vamos ver.
Conheça um pouco da história da família Rousseff na Bulgária
No museu de Gabrovo, encontramos uma foto do que foi a casa da família Rousseff, um sobrado de três andares. Pétar deixou para trás a ex-mulher, na época grávida de sete meses.
Quem guarda as fotos com carinho é a prima de Dilma, Tzanka Kamenova: “Ele sonhava em levar para o Brasil o filho que deixou na barriga da mãe”, diz Tzanka. O nome desse irmão de Dilma Rousseff, por parte de pai, era Luben.
Nós localizamos o prédio onde o Luben morava, no centro de Sófia. Ele morreu em 2007.
Era para este prédio que Dilma Rousseff mandava cartas. O irmão Luben lia e respondia com a ajuda do tradutor Roumen Stoyanov.
Ele conta que, num dos envelopes enviados por Dilma, um ano antes da morte de Luben, havia um maço de dinheiro: “Ela fez um gesto muito bonito, de irmã para irmão”.
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Bonner: Eu tenho que perguntar: a senhora já se imaginou chegando à Bulgária como presidente do Brasil?
Dilma: Olha, Bonner, eu tenho a impressão que vai ser uma comoção. Uma emoção para mim e acho também uma emoção para eles, porque é um país pequeno. Você imagina nesse país pequeno, em que a visão do Brasil, o Brasil visto de lá é 190 milhões de pessoas, é um país que está se desenvolvendo, criando emprego, um país que é visto no mundo como uma das grandes oportunidades. Então, eu acho que vai ser muito interessante, até porque eu acredito que eu sou a única búlgara entre aspas para eles que teve algum sucesso fora da Bulgária. Eu não sei falar uma palavra, nada. Então vai ser muito difícil.
Bonner: Pelo menos um sucesso dessa magnitude. A senhora ainda tem contato com búlgaros até hoje?
Dilma: Eu mantive contato com o meu irmão, porque ele, apesar de ser engenheiro, não vivia em situação confortável. Eles não têm uma estrutura de aposentadoria como a nossa, então eu remetia recursos para ele. Mantive contato sistemático com ele. Depois que ele morreu, com a mulher dele. Aí também ela morreu. Então eu perdi contato agora com eles, porque eu nunca tive contato com essa minha prima. Você veja que vocês descobriram alguém da minha família.
Bonner: Marcos Losekann, o nosso correspondente.
Dilma: O Marcos Losekann é um investigador.
Bonner: Ele é. Nato. Agora nós vamos para a segunda reportagem, essa sim preparada especialmente para hoje, em que nós vamos rever um pouquinho do que foi a sua infância.
Dilma, a mineira que se opôs à ditadura e sofreu na prisão
A história começa no dia 14 de dezembro de 1947, quando Dilma Vana Rousseff nasceu em Belo Horizonte. O pai, um imigrante búlgaro, veio para o Brasil fugindo dos efeitos da guerra e tornou-se empresário em Minas. A mãe, nascida no estado do Rio, de quem Dilma herdou o nome.
Estudou nas melhores escolas da capital mineira e ainda era adolescente quando iniciou a militância política.
“Nós nos conhecemos em função da organização da luta de resistência à ditadura”, contou Apolo Heringer Lisboa, amigo de Dilma.
O inimigo era o governo militar instalado no golpe de 64. O ideal era a implantação de um modelo socialista no Brasil.
Quem foi e como atuou a jovem subversiva, como eram chamados na ditadura todos os que se opunham ao regime? O verdadeiro nome, nem o segundo marido, Carlos Araújo, companheiro de militância, sabia.
“Quando ela foi presa, que os jornais publicaram a prisão dela, é que eu soube o nome verdadeiro dela. A Dilma, como todos nós, teve vários nomes. O mais marcante dela foi Vanda”.
Sabe-se que Dilma atuou em grupos que pegaram em armas para combater a ditadura e lutar por um Brasil socialista. Gilberto Vasconcelos, companheiro de militância de Dilma Rousseff, conta que Dilma tinha apenas tarefas de organização nos grupos.
“Ela nunca, absolutamente, teve nenhum momento em que ela tenha praticado uma ação violenta. Nenhuma. Absolutamente nenhuma”.
Dilma caiu na clandestinidade. Peregrinou de Minas para o Rio. Do Rio para São Paulo.
E acabou presa na maior cidade brasileira, na Rua Augusta, em 16 de janeiro de 1970.
Parte do prédio, que hoje é o Memorial da Resistência, guarda um rico pedaço da história sombria do Brasil. O local foi o quartel general da repressão, onde funcionava o Dops, o temido Departamento de Ordem Política e Social. E Dilma Rousseff passou por uma cela do lugar, onde também foi torturada.
Ficou presa por dois anos e quatro meses. Uma das raras vezes em que Dilma falou publicamente da história foi como ministra, no Senado, em resposta a um político da oposição.
“Eu fui barbaramente torturada, senador. E qualquer pessoa que ousar dizer a verdade para interrogadores compromete a vida dos seus iguais e entrega pessoas para serem mortas”.
Ao deixar a cadeia, Dilma foi reconstruir a vida no Rio Grande do Sul. Foi onde se formou em economia, onde teve a única filha, Paula, e onde deu início à carreira na administração pública.
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Bonner: Presidente, eu vi uma declaração do seu ex-marido a respeito daqueles tempos de combate à ditadura militar. Ele disse que jamais passou pela cabeça de vocês que um dia a senhora ou ele, enfim, quem quer que fosse, pudesse chegar à presidência da República. Como é hoje rever essas cenas, rever essas situações todas?
Dilma: Eu acho que tudo começa, Bonner...É uma situação que eu te diria assim: naquela época, a gente jamais acreditou também que o Brasil viria a se transformar numa grande democracia. Então, a partir do momento em que o Brasil se transformou numa grande democracia, a vida vai levando as pessoas por caminhos insuspeitos, porque a democracia é uma coisa muito rica. Naquela época, que havia o fechamento, a juventude não tinha muita opção. Você não podia se manifestar. Uma peça de teatro, por exemplo, "Roda Viva", era considerada subversiva. Uma música como "Apesar de você", do Chico Buarque, era tida como absurda. Então, os caminhos eram fechados. A ditadura no Brasil abriu os caminhos. Então, eu acho que a minha geração deve esse momento em que eu, uma pessoa que teve presa no Brasil, deve esse momento à democracia. E mais do que isso: deve esse momento ao fato do Brasil ter sido capaz de iniciar um processo de transformação dentro da maior legalidade, coisa que na época, o que nós fazemos hoje, era considerado impensável naquela época. Reajustes salariais, por exemplo, acima do salário mínimo levava a greves e a prisões. Manifestações estudantis, que hoje a gente olha com absoluta tranquilidade, levava a prisões. Então, o mundo foi mudando. E eu com o mundo. Eu agradeço a Deus a oportunidade que ele me deu de participar do governo do presidente Lula. Eu acho que ali começa o grande sonho da minha geração, que era que o Brasil crescesse e, ao mesmo tempo, distribuísse renda e o Brasil crescesse e, ao mesmo tempo, milhões de pessoas fossem tiradas da pobreza. E aí o que eu tenho como missão daqui para frente é justamente continuar esse processo dentro da legalidade, do fortalecimento da democracia, da liberdade de imprensa. Esse processo de transformação do Brasil e de estabilidade, porque também nós conquistamos isso. Porque teve logo no início da democracia um período que a gente tinha herdado também do final da ditadura, que era inflação alta, dívida externa explodindo. E hoje nós somos um país que tem todas as chances de se transformar.
Bonner: Desde 94, tem uma geração de brasileiros que não sabe o que é aquela inflação que nós vivemos. Desde o advento do Plano Real. Vamos seguir vendo as reportagens que nós temos para mostrar. Agora a gente vai ver o próximo capítulo.
Dilma: É uma novela?
Bonner: É quase isso. Bom, poderia ser uma novela de grande sucesso. No seu caso, eleita presidente da República. Vamos lá. É a reportagem da Cláudia Bontempo.
O estilo durão que conquistou Lula
O motorista Joel Fontoura Paz se lembra bem do jeito firme da antiga chefe. A presidente da Fundação de Estatística do Rio Grande do Sul não gostava de perder tempo.
“Olha, só uma vez aconteceu um caso, em Santa Cruz, que ela foi numa palestra lá, ela gostava sempre dos horários. Eu achei que a palestra fosse demorar e eu precisava cortar o cabelo. Ela chegou no carro e eu não estava. Ficou brava”.
O estilo de comando da administradora Dilma Rousseff foi forjado nos primeiros cargos que ocupou, no Rio Grande do Sul.
Ela militou no PDT até 2000. E, em 2001, entrou no PT. Foi secretária de Fazenda de Porto Alegre e secretária estadual de Minas e Energia. Em 2003, levou seu estilo para Brasília quando o então presidente eleito Lula lhe entregou o cargo de ministra.
Dilma Rousseff comandou o Ministério de Minas e Energia por dois anos e meio. Daqui, foi chamada para um novo e urgente desafio. Em junho de 2005, o governo Lula atravessava uma crise política com a queda do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu.
Dilma foi escolhida pelo presidente Lula para ocupar o lugar de Dirceu no Palácio do Planalto. Saía o interlocutor político, entrava a gerente Dilma, com a missão de coordenar as ações do governo.
“A gente reconhece que o problema existe e toma as medidas capazes de solucioná-lo”, disse Dilma, na época.
Na Casa Civil, Dilma comandou o principal programa do governo - o PAC - de Aceleração do Crescimento.
“A Dilma é uma espécie de mãe do PAC. É ela que cuida, ela que acompanha”, disse Lula.
Foi responsável ainda pelo programa habitacional “Minha Casa, Minha Vida” e toda a preparação para a exploração do petróleo do pré-sal.
E era encarregada de coordenar o trabalho dos colegas. Nessa tarefa, ganhou fama de durona. Em março, quando deixou a Casa Civil para ser candidata, Dilma ouviu o próprio presidente Lula, bem-humorado, dizer que muitos saíam do gabinete dela para se queixar com ele.
“A Dilma, de fato, às vezes é até dura, durona mesmo, pra fazer cobrança, pra ter respostas. Então, a equipe acaba se alinhando e procurando fazer as coisas que tem que fazer pra depois não ser cobrado”, revelou Paulo Bernardo, ministro do Planejamento.
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Fátima Bernardes: Boa noite, presidente, parabéns pela vitória. Eu queria voltar a esse momento do fim da reportagem, a mãe do PAC, o momento em que a sua candidatura foi decidida. Como a senhora recebeu essa indicação do presidente Lula para disputar a eleição? Foi com surpresa? Ele teve muito trabalho para convencê-la? Ou na verdade já era um desejo daqueles que a gente esconde até da gente mesmos?
Dilma: Fátima, sem muito honesta contigo, eu nunca imaginei ser presidente da República. Eu sempre fui uma servidora pública. Acredito que ser servidora pública é uma coisa importante, porque a relação que a gente tem de ter com o Estado não pode ser o Estado nos servindo, mas nós servindo o Estado e a sociedade. Quando o presidente começou a dar os sinais de que ele queria que eu fosse a sua sucessora, a primeira reação que eu tive foi de achar que não era muito por ali. Aos poucos, eu fui me convencendo. E aí é algo muito interessante: servir ao país, chegar a ser presidente é, de fato, talvez, um sonho que cada brasileiro esconde lá no fundo da alma, porque é a maior realização que uma pessoa pode ter no seu próprio país, porque é um momento em que você pode provar que você vai de fato dar uma contribuição para os milhões de brasileiros e de brasileiras que compartilham comigo essa aventura histórica de sermos brasileiros no ano de 2011 e de sermos capazes de dar aquele salto que a gente espera que o Brasil dê. Então eu quero te dizer o seguinte: apesar de, no início, eu não ser uma pessoa que estava direcionada para isso, eu quero te dizer que hoje eu sou uma pessoa certa que eu vou fazer o melhor que eu puder. E quando eu tiver feito o melhor, eu vou fazer ainda um pouco mais para que o Brasil siga se transformando numa grande economia, numa grande sociedade e de fato numa nação plenamente desenvolvida.
Bonner: Vamos prosseguir. Agora acho que seria o capítulo final das reportagens preparadas. A gente vai ver o que tem de histórico na sua eleição. Como nós dissemos desde o início dessa edição do Jornal Nacional. A reportagem é da Cristina Serra.
O caminho que a ministra percorreu para virar presidente
De ministra a presidente, foi uma trajetória desbravando mundos masculinos. Na foto oficial, do inicio do governo Lula, era uma das poucas mulheres. Mas Dilma Rousseff se tornou a ocupante mais poderosa da Esplanada.
Quando o presidente Lula emitiu os primeiros sinais de que ela seria a escolhida para sucedê-lo, Dilma passou pela primeira transformação física: uma cirurgia plástica. Mas um adversário inesperado surgiu em seguida.
O câncer no sistema linfático provocou um susto e novas transformações na aparência da ministra.
Recuperada, Dilma, de novo visual, percorreu o país em campanha. “Eu vou ser, com a graça de Deus e o voto de vocês, a primeira mulher presidente do Brasil”.
Ainda no primeiro turno, a chegada do neto Gabriel foi um presente. “Mãe acha que vai quebrar. Vó sabe que não quebra. Eu estou hoje meio boba”.
As denúncias contra a sucessora dela na Casa Civil, Erenice Guerra, foram um transtorno inesperado. Para muitos analistas, esse foi o principal motivo do segundo turno e a vitória nas urnas foi adiada em um mês.
Já no primeiro dia da nova fase da disputa, Lula reuniu aliados eleitos e convocou todos para se dedicar à vitória de sua candidata. O próprio presidente intensificou a participação dele no programa político e nos palanques estaduais.
Carreatas, passeatas e comícios. Lula estava ao lado de Dilma em todo o país. “Essa companheira, pelo caráter, pela coragem, pela firmeza ideológica, pelos compromissos de vida dela, não vai permitir que o Brasil volte a um passado, que o Brasil volte a ser dependente”, disse Lula.
Em alguns momentos, ele chegou a ir sozinho a eventos de campanha.
Aos 62 anos, Dilma Rousseff é a primeira mulher a chegar ao posto mais alto da República: a presidente de 190 milhões de brasileiros. Ao subir a rampa do Palácio do Planalto e receber a faixa presidencial ela vai fazer história.
A chegada de uma mulher ao poder desperta a admiração dos amigos. “Acho que vai ser bom para o Brasil, a gente ter essa mudança de sair de tantos personagens masculinos, de repente entrar uma protagonista feminina”, opina o cineasta Helvécio Ratton.
No dia em que a candidatura tornou-se oficial, a ministra que Lula quis transformar em presidente fez um discurso de reconhecimento a ele e também antecipou a ideia que a maioria dos eleitores brasileiros aprovaria, nas urnas, em 31 de outubro.
“Não é por acaso que, depois desse grande homem, o nosso Brasil possa ser governado por uma mulher. Por uma mulher que vai continuar o Brasil de Lula, mas que fará um Brasil de Lula com alma e coração de mulher”.
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Bonner: A notícia da sua vitória oficial saiu às 20h07 de domingo. O que lhe veio à cabeça naquele momento?
Dilma: Era. Sabe por que essa pergunta é difícil, Bonner? Porque na hora que vem a notícia, você está um pouco anestesiada e aí é preciso que o tempo passe para que você absorva todo o impacto de uma notícia desse tamanho, que é uma notícia com a grandeza do Brasil, porque não é uma notícia qualquer. É uma notícia de que, daqui para frente, você vai ser a responsável por esse país continental, imenso e por 190 milhões.
Bonner: Chorou?
Dilma: Eu chorei depois. Fui chorando aos poucos. Eu não chorei de uma vez só. Eu chorei um pouco quando eu falei, depois eu chorei bastante chegando em casa.
Bonner: E quase chorou ao se referir ao presidente Lula no seu discurso.
Dilma: Foi. Ali eu chorei. O pessoal disse que eu me contive. Eu chorei por dentro e por fora, um pouco.
Fátima: Presidente, agora, terminado esse processo eleitoral desgastante, a senhora vai começar a trabalhar na composição do seu novo governo e na formação do seu ministério. A senhora pode dizer para a gente como vai ser esse processo a partir de agora? Ele já começa já?
Dilma: Nós vamos fazer primeiro uma transição de dois tipos: uma transição técnica, ou seja, avaliando todos os aspectos técnicos que serão importantes que a gente tome providências no sentido de que serem aqueles que a gente vai encaminhar primeiro. Por exemplo: eu pretendo nos primeiros dias fazer uma reunião com os governadores sobre saúde e segurança e, em seguida, ou paralelamente, melhor dizendo, nós também faremos uma transição política. Nós vamos ter que ver a composição do governo, que tem esses dois aspectos. Eu vou me esmerar para ter um governo em que o critério de escolha dos ministros e dos cargos da alta administração sejam providos por esses dois critérios.
Bonner: Tem nome certo?
Dilma: Não. Não tem ainda nome certo. Eu não digo que eu vou anunciar um bloco inteiro, todo o governo, mas eu pretendo não fazer anúncios fragmentados, espalhados ou individualizados. Fazer por blocos.
Bonner: Em relação à economia. No mundo, hoje, quando se fala em economia, o planeta inteiro está discutindo a questão cambial: desvalorização de dólar, valorização de moedas locais. Qual é a sua posição a respeito disso?
Dilma: Eu acredito que a gente não pode correr o risco de querer menosprezar. Eu te diria assim: eu acho que o câmbio é flutuante. No entanto, indícios de que há hoje no mundo uma guerra cambial são muito fortes. Acho que tem moedas subvalorizadas. Eu acredito que uma das coisas importantes são as reuniões multilaterais em que fique claro que nós, por exemplo, iremos usar de todas as armas para impedir o dumping, a política de preços que prejudica as indústrias brasileiras, e vou olhar com muito cuidado, porque não acredito que manipular câmbio resolva coisa alguma. Nós temos uma péssima experiência disso.
Bonner: Manipular câmbio pelas mãos do governo?
Dilma: É, pelas mãos do governo e do Banco Central. Você se lembra do câmbio fixo? O que ele levou a Argentina e quase nos levou também? A uma situação de crise muito grande.
Bonner: Então a senhora está dizendo que qualquer modificação que virá não será no sentido de acabar com o câmbio flutuante?
Dilma: Não, de maneira alguma. Muito boa a sua pergunta, que me permite esclarecer. Eu tenho um compromisso forte com a questão dos pilares da estabilidade macroeconômica, um câmbio flutuante. E nós temos hoje uma quantidade de reservas que permite que a gente inclusive se proteja em relação a qualquer tipo de guerra ou de manipulação internacional. Mas eu acredito também, Bonner, que nós iremos passar por um momento em que o mundo vai estar com um nível de crescimento menor. Hoje, inclusive, o presidente Obama me cumprimentou e externou a preocupação dele com as taxas de desemprego nos Estados Unidos. Ele está bastante preocupado com a economia americana no que se refere a sua recuperação. Acredito que também o ajuste das economias internacionais não podem ser feitas com base em desvalorizações competitivas, que você tenta ganhar o seu ajuste nas costas do resto do mundo. Também não está certo isso.
Bonner: Presidente, deixa eu lhe dizer uma coisa: primeiro, mais uma vez quero agradecer a sua presença aqui em nome de todos os profissionais da Rede Globo, em nome do público, porque isso aqui é certamente uma deferência. Segundo, a senhora disse ontem e repetiu aqui durante essa entrevista, uma defesa à liberdade de imprensa. Nós aqui estamos entendendo a sua presença no Jornal Nacional como uma demonstração enfática disso, e queremos dizer que nós da imprensa aguardamos diversas oportunidades como essa. Está certo, talvez não precise nem vir até aqui, mas que nos abra a oportunidade de uma conversa franca, porque faz parte da democracia que a senhora mesma defendeu.
Dilma: Faz parte da democracia, eu acho que o Brasil pode dar uma demonstração de muita vitalidade com a imprensa livre que nós temos e com essa relação em que, muitas vezes, as críticas existem e eu acredito que elas cumprem um papel no Brasil, e pode ter certeza que da minha parte a minha relação com a imprensa vai ser sempre uma relação respeitosa.
Bonner: Muito obrigado mais uma vez. Foi um prazer entrevistá-la sem ter que interrompê-la e dizer que o tempo estava esgotado. Agora, o meu tempo está esgotado. Muito Obrigado mais uma vez. Boa noite.
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