Ari Peixoto revela os bastidores da cobertura da crise no Egito
Em entrevista ao site do Jornal Nacional, o correspondente fala das dificuldades e das recompensas de uma grande cobertura jornalística.
Ari Peixoto entre os manifestantes no Egito (Foto: Ari Peixoto / TV Globo)
O correspondente da Rede Globo Ari Peixoto, que está cobrindo a crise no Egito, conta os detalhes e as dificuldades deste trabalho com exclusividade para o site do Jornal Nacional: ameaças à liberdade de imprensa, agressões a jornalistas, a falta de telefone e internet e a violência das manifestações. Apesar dos percalços, a grande recompensa: "Tudo que um jornalista quer é fazer história. É um privilégio estar aqui".Como estão as condições de trabalho aí no Egito?
Ari Peixoto: Eu cheguei aqui na sexta-feira, dia 28. E, já na chegada, sem celular e sem internet, senti que seria difícil trabalhar; mas a gente foi em frente, registrando passeatas e manifestações absolutamente pacíficas, até quarta. Durante o confronto, ficou complicado gravar com a câmera, então resolvemos usar o celular do cinegrafista David Cohen, que funcionou muito bem. Ficar sem internet e sem celular traz uma sensação estranha de isolamento. Foi como uma volta no tempo, porque, quando eu comecei, não tinha nem uma coisa, nem outra. Era máquina de escrever, orelhão – quando funcionava – e a gente sempre fez reportagem. Mas com o telefone de volta e o bloco na mão, aí não precisa de muito mais.
E nós ainda tivemos que lidar com um aspecto que nem sempre é comum, mas que sempre aparece quando as autoridades não querem que uma determinada verdade seja divulgada: as ameaças à liberdade de imprensa. E não me refiro só ao corte da internet e dos celulares e sim às agressões contra os jornalistas. Houve casos de repórteres espancados, esfaqueados, profissionais que perderam seus equipamentos, enfim, tudo provocado pelos manifestantes pró-governo ou, como dizem alguns, pelos policiais disfarçados de manifestantes. Em pelo menos um grande hotel cinco estrelas, seguranças invadiram os quartos dos jornalistas, ameaçando, confiscando equipamentos. Um absurdo que foi repudiado no mundo inteiro, quer dizer, no mundo democrático, onde a imprensa é livre. Mas acredito que essa foi uma lição para os futuros governantes do Egito. Se Mubarak sair do governo agora ou depois das eleições, que os políticos que o substituirão aprendam a lidar melhor com essa coisa preciosa chamada informação.
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Como é cobrir um acontecimento que estará nos livros de História?
Tudo que um jornalista quer é fazer história. Nós somos contadores de história o tempo todo, mas uma como esta, que pode alterar a vida de milhões, é algo fantástico. É um privilégio estar aqui no Egito, relatar a transformação é muito emocionante. Eu estive aqui no ano passado e vi um outro país; agora estou vendo e contando como eles estão a ponto de reescrever sua história. Não é um lugar qualquer, toda a implicação que tem com a região e o resto do mundo; toda a história da civilização aqui. Acho que nem tive tempo ainda de avaliar exatamente o que está acontecendo, só lamento que esteja acontecendo de uma forma triste; mas também mudar depois de tanto tempo de silêncio tem um preço e ninguém disse que seria fácil, não é?
Medo é bom, mantém a mente da gente alerta."
Ari Peixoto
Segurança em primeiro lugar. Nenhuma reportagem vale a vida do repórter. Mas numa cobertura internacional complicada como esta, a gente tem que se cercar de gente de confiança. Um motorista que conheça os caminhos e os atalhos é fundamental, por exemplo. É preciso estar atento, mas também relaxado, porque na hora de uma situação mais complicada, não dá pra perder a cabeça. É importante também evitar áreas mais desertas, avisar ao embaixador brasileiro que você está no país, se cercar dos colegas, sempre checar onde está cada um. E nunca bancar o herói ou o mais corajoso. Medo é bom, mantém a mente da gente alerta.
O que não pode faltar na mala de um correspondente para uma viagem como esta?
Depois de 29 anos de profissão, fazer as malas para ir contar uma história, seja no Egito ou em qualquer outro lugar, é sempre emocionante. Cada missão é como se fosse a primeira. E, às vezes, na correria para uma cobertura internacional, o correspondente nem sempre consegue fazer a mala direito. Primeiro, o essencial: o equipamento, computador, fitas, câmera, tripé, baterias, microfones, tudo bem checado, porque a gente nunca sabe quanto tempo vai ficar fora. Só depois, então, as roupas.
Além disso, o que não pode faltar é disposição, ânimo, olhar apurado, determinação e otimismo; em suma, paixão pelo jornalismo. Tem que acreditar sempre que vai dar certo, que vai ser possível nem que, em algumas vezes, a gente tenha que improvisar.
Nessa cobertura no Egito, eu lembrei de trazer algumas coisas como um colete escrito ‘Press’ (imprensa, em inglês) e até um adesivo que identifica a TV Globo, mas decidimos não usar porque percebemos que era melhor não chamar tanto a atenção.
Como é o contato com a população egípcia?
Os egípcios se parecem muito com os brasileiros, são simpáticos, alegres, estão sempre contando piadas, são muito curiosos com relação ao Brasil. Mesmo nesta situação de estresse, eles são sempre atenciosos. Eles têm muitas histórias pra contar, mas também são muito preocupados com a imagem no exterior, não gostam de ver só as mazelas do país expostas; talvez por isso, estejam com raiva dos jornalistas estrangeiros. E são um povo sofrido. O Mohammad, que conhecemos numa das viagens ao Egito, é sempre o nosso motorista. É um homem humilde, mas que desde o primeiro momento se revelou um parceiro e tanto nas nossas aventuras. Nesta viagem em que o conhecemos, ele tinha um táxi caindo aos pedaços – o bolso da minha calça jeans que o diga, rasgado nas ferragens do banco traseiro; mas agora, depois de quase um ano, estamos de volta e o Mohammad está de carro novo, comprado em suaves 36 prestações; e alegre, toda vida, não para de rir. É com ele que conhecemos os restaurantes e os cafés fora do circuito turístico, onde só os locais vão.
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