Ela tem 38 anos, dois filhos, mora no Leblon, tem uma rotina regrada e há oito anos apresenta o Bom Dia Brasil, da Globo. A vida perfeita? Renata Vasconcellos não cai nessa: “Tristeza é fundamental”
Há uns cinco anos, Marçal Aquino escreveu um romance sobre um fotógrafo apaixonado por uma garota, mulher de um pastor evangélico. Era um livro sobre desejo, destino, resignação e abandono – amor, em última instância. No fim, tascou-lhe o título de Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios. Às sete e pouco da manhã, olhando Renata Vasconcellos no Bom Dia Brasil – o jeito doce como pronuncia cada palavra, mesmo aquelas que anunciam as maiores tragédias do mundo – qualquer um acaba se sentindo como o personagem de Aquino. Mas nem sempre é tão fácil assim.
Os lábios de Renata (de um lilás clarinho) são como beira de praia, areia molhada, um daqueles lugares onde a gente quer sempre estar, mesmo quando as ondas grandes vêm e nos derrubam, nos viram pelo avesso e nos enchem de tristeza e impotência. Na manhã de uma sexta-feira, 11 de março, uma dessas ondas – um tsunami, na verdade – chegou com o anúncio do terremoto que arrasou parte do Japão. Menos de um mês depois, a notícia do massacre de crianças na escola de Realengo jogou tudo de novo no chão. Renata – cabelos presos, olhos muito fundos, os lindos lábios com quase nenhum batom – anunciou as duas tragédias. “A vida é feita de notícias boas e ruins. Eu prefiro dar sempre as notícias boas, sou naturalmente otimista, mas não é possível escolher. É a minha profissão, é a minha vida.”
Há oito anos, desde que aceitou o convite para ser âncora do jornal matinal da TV Globo, uma parte da vida de Renata é mais ou menos assim: acorda às quatro e meia da manhã, toma banho, faz uma maquiagem rápida, segue em direção ao estúdio do Jardim Botânico (naquele horário, sem trânsito, a cerca de 10 minutos de sua casa, no Leblon) ouvindo as notícias da CBN, faz uma leitura da pauta, discute as matérias com a equipe, toma um café preto e, às 7h30, está diante das câmeras desejando um “bom dia” ao espectador.
Balas coloridas
Às vezes é mesmo um bom dia, outras nem tanto. “Acho que sinto o mesmo desamparo do espectador, não sou especial por ser mulher nem por estar trabalhando ali naquela hora”, explica a jornalista, que no dia seguinte à tragédia de Realengo ancorou o jornal da porta da escola. “A natureza humana é assombrosa, para o bem e para o mal. Naquele instante o que senti foi a prostração diante do inexplicável e uma inevitável solidariedade com as mães daquelas crianças.”
Renata tem 38 anos, dentes muito brancos, saboneteiras salientes, uma irmã gêmea (a estilista Lanza Mazza), mãos delicadas e é mãe de dois meninos, Antônio, 11 anos, e Miguel, 9. No dia a dia, se esforça para mostrar aos filhos a parte boa da vida. “Digo a eles que a cabeça da gente é como um pote com balas coloridas. Às vezes a gente tem que recorrer a ele, desembrulhar uma delas, é como uma reserva de felicidade. Isso ajuda a levantar o moral quando a situação aperta”, diz, e, em seguida, acrescenta: “Mas acho péssima essa obrigação de ser sempre feliz. Tristeza é fundamental”.
"A vida é feita de notícias boas e ruins. Eu prefiro dar sempre as notícias boas, sou naturalmente otimista, mas não é possível escolher. É a minha profissão, é a minha vida"
Depois de um casamento que durou 16 anos, Renata está separada há pouco mais de seis meses (de um executivo do mercado financeiro). Nesse tempo, tem ficado cada vez mais em casa com as crianças, desembrulhando as suas próprias balas coloridas. O fim do casamento não é notícia de jornal. “Não sou celebridade”, resume. Prefere se reafirmar como mãe. “Toda mãe, lá no fundo, se sente um pouco culpada por não dar toda a atenção aos filhos, isso é normal. Mas meu horário de trabalho me ajuda a ficar mais perto deles. Tenho que saber equilibrar.”
Equilíbrio é, disparado, a palavra mais usada por Renata. Ela tem equilíbrio na hora de dar as notícias, na hora de criar os filhos, na hora de dosar a maquiagem em torno dos olhos, na hora de escolher o hidratante de todas as noites e, sobretudo, na hora de se vestir. Na entrevista, realizada em uma padaria bonitinha ao lado dos estúdios da TV, numa daquelas manhãs iluminadas do outono carioca, Renata está vestindo uma camisa masculina, calças compridas e sapatos de couro mole. Com exceção da camisa, é a mesma roupa que, minutos atrás, usava no ar.
“Tenho um estilo clássico, isso ajuda. A camisa que usei hoje é minha, isso acontece muito. Este sapato aqui já usei mais de dez vezes, o povo da produção já está até reclamando”, ri. Ao contrário de outros apresentadores de telejornais, que, limitados pela bancada, se mostram apenas do tronco para cima, Renata faz cenas de poltrona, em que aparece de corpo inteiro – inclusive os pés. Escolher a sandália certa para ir trabalhar, então, pode ser quase tão importante quanto saber, afinal, que diabos está se passando no Oriente Médio. “Já aconteceu de sair de casa e, na pressa, calçar dois sapatos diferentes. Aí não tem jeito mesmo, tenho que pedir socorro aos figurinos da emissora.” No caso de Renata, isso de sair de casa com os sapatos trocados é quase um desvio de conduta.
“Toda mãe, lá no fundo, se sente um pouco culpada por não dar toda a atenção aos filhos, isso é normal. Mas meu horário de trabalho me ajuda a ficar mais perto deles. Tenho que saber equilibrar”
Se tivesse que escolher uma palavra para se definir, Renata falaria “caxias”. Ou “certinha”. Nada a ver com as medidas do seu corpo, ainda que pudesse ser: a apresentadora tem 1,71 metro de altura, 60 quilos de peso e quase um palmo de pescoço. Certíssima. “Mas não me pergunte essas coisas de busto, quadril etc. Quem é que quer saber quanto eu tenho de busto, meu Deus?” Ainda que prefira fugir das medidas, Renata não tem como escapar do impacto que elas acabam provocando. E sabe disso: “Acho que a âncora que mantém a beleza está no interior das pessoas. A beleza exterior é passageira. E manter o desejo é essencial, sem desejo não há vida”, diz Renata, enquanto franze as sobrancelhas e admite: “Mas eu estaria mentindo se dissesse que não me acho bonita”.
Um pouco de bagunça
Renata – e Lanza, claro – nasceu no Leblon, morou em Ipanema, estudou no tradicional Santo Agostinho, se formou em jornalismo pela PUC, brincou de modelo, se considera carioca da gema, mas quase nunca é vista zanzando pela zona sul da cidade.
“Sou caseira mesmo. Adoro um livro. Quem lê nunca está só.” Fora a leitura, a jornalista gosta mesmo é de comer e viajar. Ou, melhor, fazer as duas coisas junto: “Minhas memórias de viagens sempre passam pelos lugares onde comi. Se você me perguntar como é a Grécia, por exemplo, vou começar te contando de uma salada verde...”. Salada verde!? “Como porque acho bom, não tenho tendência nenhuma a engordar”, diz, enquanto pede uma água mineral sem gás, único consumo em mais ou menos duas horas de papo, e ajeita a cadeira para fugir do sol da manhã.
O sol forte e a pele seca eram, até aquela hora, os inimigos mortais da apresentadora. Eram. Naquele momento, um ventinho começa a varrer as mesas, desarrumando as duas mechas de cabelo que Renata tenta manter, simetricamente, escorrendo sobre a testa. Ela as recoloca no lugar, mas, daí a pouco, o vento bagunça tudo outra vez. Renata suspira. “Eu adoro o belo, o apolíneo. Sou uma esteta. Gosto do equilíbrio das proporções, da simetria.” Depois, quando percebe que o vento não ia sossegar mesmo, ela relaxa: “Mas um pouco de bagunça também é ótimo, não é não?”.
Aí então Renata cruza as mãos sobre a mesa, passa suavemente a língua pelos tais lindos lábios e a gente entende que a entrevista chegou ao fim.
Entrevista : Revista TPM
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